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MEIAS BRANCAS E O FUNCIONÁRIO DESINTERESSANTE

Conto por, Gustavo Rubim.


Meio-dia. O tráfego da rua João Alves parece impossível. Carros, bicicletas e pedestres se misturam numa trilha não humana, mas de formigas que caminham em direção ao formigueiro. Na calçada, se estende a fila da Lotérica. O sol faz sofrer a gente, que tenta tapar a cara com os boletos a pagar.


Nessa hora o funcionário Alberto Luiz, deixa o ar condicionado do Banco para o almoço. O câmbio brusco de temperatura, ruboriza sua pele branca-encardida e lhe provoca calafrios, que o faz dar pequenos tremeliques com o corpo magro. Suas roupas grossas e pesadas são inadequadas ao ambiente, ainda que utilize terno apenas pela obrigação do ofício. Antes, no início da carreira, gostava, para ele era um prazer desfilar com a elegância de um terno preto, mais do que isso, ter o olhar de admiração dos habitantes comuns. Mesmo que com essas roupas parecesse um animal selvagem em meio a um rebanho de ovelhas. Em partes se sentia assim, um selvagem indomesticável.


Pensou em comer do outro lado da rua, restaurante Rezende. Decidiu que não, antes desceria até uma das lojinhas da rua João Alves, onde trabalha Marcela, uma garota franzina, cabelo castanho-escuro e seios pequenos. O rosto belo, nariz estreito e lábios cor de framboesa. Alta e esguia. Alberto não sabia bem a natureza de seu interesse por Marcela, talvez fosse a solidão agudizada de seus dias.


Não se sentia um homem adequado para Marcela, na verdade, nem se sentia verdadeiramente um homem. Era um sujeito prático e previsível. Nada em si podia surpreender o outro. Olhá-lo era como observar a água do banheiro que escorre sempre para o ralo e que nunca tomará, por conta própria, um destino diferente. Assim era sua vida.


Nesse dia em especial, talvez pelo efeito do sol que cozinhava seus miolos, se sentia encorajado a uma atitude que não sabia ao certo qual. Se meteu no vai e vem dos transeuntes até que chegasse à porta da loja. Marcela parecia dormir no balcão, com a cabeça debruçada entre os braços. Ouvia-se apenas o som do ventilador e os ruídos da rua. A outra funcionária trabalhava ao fundo em não sei o quê. Era a oportunidade perfeita.


Alberto entrou na loja, não sem antes limpar os pés no tapete com o nome da loja e um “Bem-vindo”. Desatento admirava as roupas, quase todas femininas. Não sabia bem o que queria, queria Marcela, mas isso não podia dizer. Esperou que ela se aproximasse com a voz doce e um sorriso: posso ajudar?. “Busco algumas meias”, foi o que conseguiu dizer. Marcela o conduziu até o balcão e atrás de si recolheu uma variedade de pares de meias. Alberto pensava em algo para dizer, romper o silêncio, algo que levasse o rumo da conversa para outro lado.


Seu corpo permanecia febril. Ouvia pacientemente as explicações de Marcela acerca das maias, “temos esses pacotes com três: uma branca, uma preta e outra cinza, são curtas e de bom material”, dizia a garota. Lembrou da regra que meias brancas não se usam, apenas para acadêmia, mas como conserva repulsa por esse ambiente, onde pessoas estacionam seus carros, para depois se exercitarem dentro de uma caixa como ratos. Isso lhe passou pela mente em fração de segundos, pensou em lhe falar dos motivos de não usar meias brancas. De imediato desistiu da ideia. Ridículo, ridículo, pensava consigo, quem se interessaria por esse assunto?. “E meias sociais, tem?”, de repente perguntou. “Sim”, disse secamente Marcela, que recolheu alguns pacotes agora embaixo do balcão. Abriu alguns para que Alberto observasse. “Pode ser, um par dessas e um pacote das outras”, disse rapidamente, aquela situação já o consumia.


Sem que esperasse, enquanto colocava as meias em uma sacola e trocava a nota de 50 reais entregue por Alberto, Marcela perguntou, “você trabalha no banco, né?”. “Sim, já faz um tempo, trabalho na parte de dentro”, foi o máximo que se pode dizer. “Já te vi por lá”, contou Marcela com um sorriso, enquanto entregava a sacola. Alberto retribuiu o sorriso.


Caminhou até a porta, em direção a saída. Leu novamente a frase no tapete. Girou a cabeça, observou novamente Marcela, que organizava as meias atrás de si para voltar a debruçar-se no balcão e disse em bom tom, “sabia que não se usa meias brancas?, exceto se se vá à acadêmia”. Ela o observou com um olhar interrogativo e sorriu.


Realmente não era um bom assunto. Estendeu o pulso para ver as horas, já estava quase esgotado seu horário de almoço.


FIM



Autor: Gustavo Rubim.


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